Antes de começarmos a contar este
conto, é preciso avisar uma coisa muito importante, que pode (e deve) mudar a
sua leitura: isto não é um texto, é um sonho. E como tal, não é compreensível
para quem perdeu o dom que é sonhar. Mais um detalhe: mesmo que você acorde,
ele já foi escrito. Não esse. Todos eles.
Ele tinha o
dom de trazer pra perto, de aglutinar, de se fazer ouvir. Não pela simpatia.
Estava até bem longe de ser simpático. Acontece que ele não era ele mesmo há
tempos, porque teve que abrir espaço pra mim. Quem sou eu? Sou a mulher do
biquíni vermelho. Não. Eu não era necessária. Ele escolheu. Mas devo admitir
que não foi na primeira oportunidade. Eu insisti. Pra mim, era necessário.
No começo,
ele achava que eu não existia, até o dia que só eu, apenas eu, sonhava com ele.
Mas tem uma explicação: ele tinha me feito e eu, só podia concordar.
Conversávamos
sobre tudo. Tudo. Menos sobre o fato de eu não existir e ele precisar de mim.
Discutimos política e falamos de como as pessoas se apegam ao poder e de como
elas se convencem de serem essenciais. Ele pensava que não podia ser assim, que
tudo acaba, que tudo finda, que tudo ariana, explode. Eu concordava.
Ele achava
que tinha que começar tudo de novo, da estaca 2. Da zero não, porque da zero,
não tinha nada e construir tudo do chão dá tanto trabalho. Ele achava que a
idéia lançada antes dele, podia ser adequada, melhorada. Eu concordava.
Então um
dia, ele teve uma idéia: nada ia mudar. Bem, qual a idéia, então? Nos olhos
negros que eu via (nem sei se eram negros, mas ele me imaginava de olhos
fechados e eu nunca os via), ele não podia mudar. Dentro do que já era, dentro
do que já foi e dentro do desejo de que fosse, ele manteve. Foi jogar golfe.
Vestido de
branco, fumando charuto e tomando espumante, ele achava que as pessoas iriam
ouvi-lo como eu. Que o governo seria discutido baseado na oscilação da bolsa de
valores. Que a educação do país seria discutida, enquanto os filhos e filhas de
banqueiros passeavam pelo gramado perfeito. Que melhores condições de moradia
fossem entrar em pauta na hora que algum dono de multinacional mencionasse a
palavra crescimento. Que campanhas de conscientização quanto ao abandono de
menores, estariam sendo organizadas, enquanto as senhoras da alta sociedade
exibiam seus incríveis anéis.
Lembro-me
que no dia do início do campeonato, ele me imaginou confraternizando com as
senhoras: grande chapéu sobre um ‘coque’, vestido na altura do joelho, de
bolinhas pretas e segurando uma taça fina. Jamais aconteceria.
O sub consciente
dele é tão puro, que me deixou crescer e ser, independente dele, um ser. Mas
ele não me ouvia, porque ao mesmo tempo em que me criara, estava cansado demais
pra achar que construiria algo bom. Eu discordava.
Última tacada, nenhuma construção, nenhum
sonho coletivo que não fossem mesas de aposta, nenhum abraço verdadeiro,
nenhuma gargalhada inteira, nenhuma lágrima de criança machucada, nenhum amor,
ele olhou para o lado. O mais engraçado, é que ele não viu o que planejou. Viu
o que queria que estivesse lá. Sem chapéu, sem bolinhas. Estava eu, nos trajes
com que nasci nos sonhos dele, tomando cerveja, fumando filtro branco e falando
alto. Muito alto. Nenhuma palavra era direcionada a ele. Eu já nem lembrava que
era uma criação. Entretanto, era dele e ele fez uso.
Bolinha
prestes a entrar, o homem balança o taco de um lado para o outro. Ele chuta a
‘porra da bola’ pra longe, apaga o charuto na taça do senhor que acaba de
perder o campeonato e sai correndo. Gritando como um louco e achando que era enorme.
Era.
Possuía em
si o desejo de mudar não apenas a si. Sabia-se enfim, um sonhador e quando
acordou, estava tudo no mesmo lugar. Menos ele.
E eu,
freqüento outros sonhos. Alguns me querem casta. Outros, não me querem. E ainda
assim, entro e saio de suas vidas, me despedindo ás vezes, outras não. Sofrendo
ás vezes, outras não. Sendo real ás vezes, outras não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário