terça-feira, 15 de julho de 2014

Carta Pra Não Ser Lida (parte 3)


Hoje, por carência, saudade ou loucura e dependendo de quem sinta, alcançam a mesma intensidade, eu fui reler nossas conversas. “Nossa, mas que coisa doentia.” Bem, eu acho que doente é quem faz e não admite que faz, ou, quem apaga conversas com medo de sofrer, apavorado pela possibilidade de sentir falta. Eu li me divertindo e sim, sentindo falta e não é uma questão de apego. Eu sou artista. Preciso buscar. Vezes no passado, vezes no futuro. Eu busco.


Busquei por algumas horas o bom. Pulei todo e qualquer parágrafo de ofensa, de maltrato, mas não os nego. Aconteceram. Só que, em que isso podia me acrescentar? Duas coisas são certas: não posso te agradecer pelo bem e não posso te condenar pelo mal. Assim sendo, por que não fazer a opção pelo belo, pelo que soma, pelo que colore?


Nos três meses que nos falamos todos os dias, menos nas poucas horas que dormíamos (entre 4 e 9 da manhã), tivemos tempo de ser tanta coisa boa. Reli que eu te agradeci por ter feito barreira pra eu fazer xixi na rua e por ter tomado cerveja comigo do lado dos vendedores de drogas e te vi responder que faria de novo. Vi incontáveis conversas de ‘webcam’ ligada, onde só tem texto teu, porque eu ficava usando o microfone e não entendi nada do que li. Vi que tu disse que eu parecia uma música de Nina Simone. Vi que tu comemorou comigo meu emprego novo, digitando com muitas letras repetidas a palava ‘maravilha.’


Eu vi que várias vezes eu te provoquei a ficar irritado e de cá, eu tinha certeza de que só tava fazendo isso, pra ver se tu ia embora de vez, porque eu não queria me despedir devagar. Eu me li te perguntando se tu queria me ver e te li respondendo que sim, que muito. Eu te li agradecendo por uma mensagem de voz, onde eu falava sobre a noite passada, que cada um em um lugar, a gente ficou se olhando, rindo, sem dizer uma palavra. E como é engraçado lembrar disso, porque foi tão forte, que parece que foi ontem. A gente assumiu nossos defeitos tantas vezes e eu elogiei tantas vezes a tua barba.


Passei pelo dia que tu me viu chorar e chorei de novo. Não, não. Não era de tristeza dessa vez, mas era daquela e tu tava lá, entendendo. Chorando junto. Vi alguns debates sobre machismo, discrição, entrega, exposição e por esses trechos, eu passei rápido. Discordávamos sobre eles e sempre tive total certeza de que podíamos discordar até sempre. Por muitos momentos, nos li cúmplices.


Não tem como ser resumo, nem artigo, nem ensaio de fotografia de janelas. Mas, foi bom poder reler textos, ouvir de novo algumas músicas, me deliciar mais uma vez com belíssimas paisagens. É isso o que se leva das pessoas. O que elas deixam de melhor. O que elas deixam, porque a elas mesmas, é impossível deixar. Somos o que somos e nos acompanhamos por certo (e curto) tempo, porque não sentimos a necessidade de fincarmos e talvez, tenha sido esse o erro da compreensão. Eu nunca te quis. Não de verdade. Eu quis o que tínhamos e testei até onde pude, como seria não ter mais. Bem, não tenho e posso finalmente contar como é: é exatamente igual ao que era antes de você, só que outros textos, outras músicas, outras paisagens, que hoje, eu contemplo em outras companhias.
E na última coisa que eu li hoje, tu dizia que meu coração duro, podia ser doce. Ele sempre foi e eu sinto muito por ter construído muros tão sólidos, mas talvez, eles tenham mesmo me protegido. Eu só adiantei o processo, não fui devagar como os amores pedem. Não podia ser amor. Não podia ser além. “No fim a gente termina ficando mais ou menos meio igual.” As paixões rápidas tem a grande vantagem se serem rápidas. As paixões rápidas tem a grande desvantagem de deixarem coisas por fazer.


Eu nunca vou conseguir te ver dormir, nem acompanhar o desenvolvimento acelerado dos teus cabelos brancos. Eu nunca vou te ver tirando a roupa diante de uma câmera, nem nunca vou pousar nua em um quarto iluminado de pousada, sentada na janela. Mas quanto exagero. Nunca é tempo demais e cá pra nós, a gente pode realizar nossos sonhos com outros quadros. O que não vale e nunca valerá, é parar de revelar filmes e de buscar melhores enquadramentos e luz. Tu faz. Eu revelo. Eu, relevo.