sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Esconderemos as nossas feridas?


Se eu vou ser criticada para dentro do partido político que componho? Certamente. Mas os olhares de questionamento sobre o que eu sou, todas as vezes que eu entro em um espaço de organização política, usando um vestido curto ou uma roupa justa, me são uma crítica muito mais dura, muito mais injusta, muito mais cruel.


Este ano eu completei 10 anos de filiação ao Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Minha mãe preencheu minha ficha de filiação. A mulher que me deu exemplos a vida inteira, que nunca me impôs nada. Minha maior referência de luta feminista. E nós nem sabíamos disso 10 anos atrás.


Aos 20 anos eu fui trabalhar no prédio da Prefeitura da Cidade de Recife. Inicialmente, eu ficaria na função onde comecei, por apenas dois meses e após esse período, eu seria transferida para algum cargo administrativo. Nunca aconteceu. Eu passei 15 meses como auxiliar de serviços gerais. Na minha ficha cadastral tinha escrito: auxiliar de higiene. Eu recolhia o lixo, varria, limpava os móveis, passava pano no chão, lavava os banheiros, recolhia ‘bitucas’ de cigarro em meio aos escarros na área de fumantes. Vocês não fazem ideia de como as pessoas podem ser sujas. E fazer sujeiras. Para além do lixo. Para além do espaço físico.


70 % dos homens deste espaço, me olhavam como se fossem me deitar no chão a qualquer momento. Eu vivia acoada, assustada, com medo. Paralelo a isso, 85 % das mulheres que trabalhavam comigo, a equipe da limpeza, me tinham como rival e garantiam aos 4 ventos: “ela vai subir dormindo com algum deles.” Sim, eles também acreditavam nisso. Me davam presentes, me levavam café, me convidavam para jantar, almoçar… as mulheres me maltratavam por isso. Prejudicavam meu trabalho. Fiquei uma semana lavando o mesmo chão, depois de uma colega de trabalho ter colocado vaselina no meu detergente. Como eu já disse acima, não mudei de função. Pedi demissão.


Um desses homens vai merecer aqui uma atenção “especial.” As salas reservadas às funcionárias responsáveis pela limpeza do prédio, eram cubiculos apertados, em sua grande maioria, banheiros desativados ao público e ativos apenas ao nosso uso. Lá usávamos nosso período de descanso e fazíamos nossas refeições. Esse homem ia na porta todos os dias. Nunca batia. Nunca batia. Me fazia convites, lambia os lábios enquanto falava comigo, levantava meu rosto pelo queixo, quando eu o baixava, com vergonha. Durante todo o tempo que eu suportei isso, foi tudo o que ele tocou em mim: queixo. E me feriu.


Então, longos anos depois, a candidata à reeleição, Presidenta Dilma, junto ao ex Presidente Lula, vem até Recife fazer uma caminhada. No meio da multidão, eu revejo este homem. Jovem homem. Aperto, muita gente, muito mais gente, ele para atrás de mim que estava sufocada, sendo arrastada pela multidão e começa a passar a mão em mim, enquanto falava no meu ouvido: “gostosa, vira mais pra cá, eita coisa boa...” Eu não tinha como me defender. Nem gritar. Nem esboçar reação. Estava extremamente assustada. De novo.


Este homem não faz a mínima ideia de quem eu sou e do que ele provocou. Em primeiro lugar, alguns questionamentos: que formação estamos proporcionando aos nossos homens militantes, quando à luta das mulheres? Que tipo de organização político partidária somos, se em nossos fóruns e nossas teses, reafirmamos nossos compromissos com a luta em nome do empoderamento e da autonomia das mulheres e expomos uma companheira, a transformando em secundária perante os debates de auto análise?


É inadmissível que uma mulher tenha que passar por tantas dores dentro de uma sociedade machista, patriarcal, branca, hétero, burguesa e que na sua tentativa de construir um espaço que deveria ser voltado à encorajemento, ela se sinta também impotente, constrangida, insegura. Para além dos nossos gritos (conversas de bar, textos, artigos, desabafos), os diretórios e instâncias deliberativas partidárias, precisam antes de tudo, admitir que a violência existe, pra que depois, possamos encaminhar medidas de formação e conscientização dos “nossos homens.” Aqueles que nos chamam de companheira, mas que nos apostam em rodas de cerveja.


Curemos nossas feridas na verdade, no jogo aberto, na honestidade, no olho no olho e acima de tudo, no respeito às dores que não sentimos e pelas quais temos que assumir responsabilidades. Somos o partido que mudou a realidade de um povo, que incluiu, que ouviu, que se fez ouvir. Não vamos agora, esquecer de um grupo de pessoas, apenas por não queremos olhar para nosso próprio umbigo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Recado Dado.

Foi pra ele, mas podia ter sido pra mais um monte. Com vocês: rala limitado.

'Vacilão', eu vou te pedir respeito numa publicação que está te desmentindo, porque a partir do momento que tu insiste em dizer que uma cantada dada por um homem rico vira elogio e sendo eu, a dizer que não, tu tais ME chamando de puta e eu não to curtindo. Não que ser puta me deslegitime. Tem que ter muito cacife pra ser puta. Entretanto, não o sou. Tem um debate sério tentando ser colocado aqui. Tem um grupo de mulheres dizendo que este tipo de cantada é invasivo, abusivo, desrespeitoso, nojento e as tuas INFELIZES COLOCAÇÕES colocam todas elas como mentirosas. Nós muitas vezes analisamos o que vivemos, pelo que aconteceu nas nossas vidas. É o chamado conhecimento empírico: É o conhecimento obtido ao acaso, após inúmeras tentativas, ou seja, o conhecimento adquirido através de ações não planejadas. Sendo um pouco mais direta, tais falando da tua própria realidade, sem ao menos se dar ao trabalho de fazer um estudo do todo. Não estamos aqui limitadas às mulheres de baixa renda e belos corpos, que fazem uso deles pra receberem valores financeiros. A essas, as cantadas de homens ricos não são cantadas: são propostas. Mas eu entendo que seja mesmo bastante difícil olhar a frente dos 100 metros mais próximos. Acontece que o mundo é maior que isso, que mulheres deixam de ir nas padarias pra não serem agredidas verbalmente, porque eu vou te contar: VOU CHUPAR SUA BOCETA não é carinho quando um estranho me fala isso sussurrando em uma rua escura. Dito à uma puta, ela volta e diz o preço. Dito à uma mulher acoada, o medo se instala, a insegurança persiste e não é uma avaliação chula de quem dá e de quem recebe que nos fará avançar. Sem mais, eu vou ali ver se hoje quem vai dizer que me comia na esquina, é um cara pobre ou um cara rico, porque, oh, eu não me sentirei ofendida se ele falar isso, mas pagar o meu sorvete.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Nominar pra que?


Todas as vezes que eu vou começar um texto para publicar em páginas próprias, minhas, sem ser a coluna séria para onde eu escrevo semanalmente, ou as notas que por vezes eu escrevo em nome da Secretaria Municipal onde trabalho, eu lembro daquela regra de não fazer perguntas no primeiro parágrafo e me lembro na sequência, que no meu espaço, eu posso tudo. Assim funciona também o sexo. Em uma ação de tantas possibilidades, questionamentos, apontamentos, deliberações, entregas, ausências, permissões, cada um é responsável pelo que quer para si. Em uma ação de mais pessoas, cada um é responsável por fazer com que o outro entenda os anseios, desejos, esperas. Na compreensão, gozo. Na compreensão, mais de uma vez. E vejam, eu não fiz nenhuma pergunta. Nenhuma.

Depois de ter feito algumas escolhas - preservação do corpo, elevação do espírito - ela se viu sendo convidada à entrega e sem nenhum momento de dúvida, deu-se, como a ele, sempre fez. Talvez você nunca tenha precisado fazer esta análise na sua vida, mas tente: já imaginou o quanto é difícil à uma feminista, a permicividade? Bem, eu lhes digo que é bastante difícil. Em primeiro lugar, pela necessidade de se fazer compreender, com todas as vírgulas que cabem à uma compreensão. Vestir, escrever, falar, pedir, expor, se expor. A linha entre o real e o pscicótico, aos olhos de quem não entende, é quase invisível. Então, como ser feliz com tantos porques? Como entender que nem todos os homens entenderão os pedidos por delicadeza, quando você demonstra apenas força? Como dizer a ele, que você já chegou em uma altura da vida, onde as relações podem ser separadas? Como fazer com que ele entenda que vocês querem coisas diferentes um do outro e que nem por isso, o que ele quer deixa de ser interessante pra você? Não, ele não vai entender lendo mais um texto, ou tendo mais uma conversa. Ele só vai entender vivendo isso, que ela tanto diz querer fazer que funcione. Que ela tanto briga pra fazer funcionar.